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PALÁCIO HOTEL DO BUSSACO


PALÁCIO HOTEL DO BUSSACO


Um verdadeiro Palácio de Contos de Fadas


Quem diria aos Carmelitas Descalços, quando em 1628 receberam por doação do Bispo de Coimbra, a Mata do Bussaco, para nela construírem o seu Convento (para poder reunir nele os seus eremitas que viviam isolados por toda aquela mata), que estavam a contribuir para criar o embrião do que viria a ser o actual Palácio Hotel do Bussaco, um verdadeiro Palácio de Contos de Fadas, envolvido numa Floresta Encantada.


Fig. 1 – Palácio de Contos de Fadas envolvido por uma Floresta Encantada

Tal convento foi construído até 1639, data em que a sua Igreja foi consagrada a Santa Cruz.


Convento de Santa Cruz

A construção deste Convento foi feita, de acordo com a espiritualidade da Ordem dos Carmelitas Descalços, fundamentada na fé e na pobreza, com os materiais mais pobres usados na época: a cortiça e os embrechados feitos de pequenos fragmentos (restos) de quartzo, basalto, escórias ferruginosas e cortiça. Segundo os registos da época, os embrechados de cortiça eram considerados “a pobreza mais pobre”!


                Fig. 2  – Embrechados do Convento de Santa Cruz

Foi o Convento de Santa Cruz que veio a tornar-se o Centro do Deserto Carmelita, que se foi desenvolvendo a partir dele. Segundo a Ordem dos Carmelitas, um Deserto era constituído por um Centro de retiro e penitência, onde os religiosos se podiam recolher em clausura, longe de todas as comodidades e solicitações mundanas e entregar-se a uma vida eremítica absoluta. Daí o Deserto Carmelita do Bussaco ser então um local isolado, com uma grande cerca, no interior da qual, ao longo dos tempos (entre 1838 e 1695) se foram construindo numerosas Ermidas (11), Capelas isoladas (23) e Fontes (6).

Não obstante a santidade do Deserto Carmelita do Bussaco, ele não deixou de ser o local de acolhimento do 1º Duque de Wellington que comandou as tropas Anglo-Portuguesas, no cenário da Batalha do Bussaco, na qual o General Francês Massena foi derrotado e obrigado a abandonar Portugal.

O Deserto incrementou a sua importância ao longo dos séculos XVII e XVIII, graças ao apoio de autoridades de renome, até que, com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, passou para a posse do Estado, sofrendo depois alguma destruição e abandono no final do século XIX e início do século XX.

Actualmente, somos alertados para a existência do referido Deserto, logo nas suas  Portas de Coimbra,  sobre as quais se podem ler as seguintes duas Bulas Papais: a Bula do Papa Gregório XV, datada de 23 de Julho de 1622, proibindo a entrada de mulheres nos Conventos Carmelitas e, consequentemente, também no Convento de Santa Cruz do Bussaco, sob pena de excomunhão.e a Bula do Papa Urbano VIII, datada de 28 de Março de 1643, com a sentença de excomunhão para quem destruísse árvores e apanhasse madeira.

Fig. 3 – Portas de Coimbra com a inscrição das 2 Bulas Papais

 Compreende-se assim, porque os monges carmelitas não só não destruíam árvores, como eram orientados para as plantar, sendo-lhes proibido o seu corte. Eis aqui a razão principal da existência da nossa maravilhosa Mata do Bussaco, ainda hoje uma peça primordial das zonas arborizadas portuguesas, com cerca de 250 espécies de árvores e arbustos distribuídos por uma área de 105 hectares. Basta para tal referir o seu belíssimo Vale dos Fetos e tantos outros locais maravilhosos desta mata. 
                  

               
        Fig. 4 – Vale dos Fetos da Mata do Bussaco

Todos os belos locais da Mata do Bussaco, estão actualmente integrados em quatro Unidades de Paisagem: Arboreto, Vale dos Fetos, Floresta Relíquia e Pinhal do Marquês(1).
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(1)  – Estas Unidades de Paisagem podem agora ser visitadas segundo os seguintes quatro trilhos, orientados por monitores da Fundação Mata Nacional do Bussaco, falando Português, Inglês, Castelhano ou Francês (www.fmb.pt ou atividades@fmb.pt): Trilho Floresta Relíquia, Trilho Militar, Trilho Via Sacra e Trilho da Água.

O Convento de Santa Cruz propriamente dito, é de planta rectangular e precedido por um cruzeiro simples e escadaria.

       Fig. 5 – Convento de Santa Cruz precedido por um cruzeiro simples e escadaria.


 Apresenta uma entrada com arcada tripla que, após o vestíbulo, dá acesso a 


                                 Fig. 6 – Entrada por um humilde vestíbulo 


um claustro em corredor, à direita do qual se situa com uma capela dedicada ao Senhor Ecce Homo.                                                              


                        

    Fig. 7 – Claustro em corredor e altar e retábulo da capelinha à direita da entrada



Pouco adiante, o corredor dá acesso à Igreja do Convento, de planta em cruz latina, com coro alto assente em arco abatido, nave única, transepto pouco profundo, cúpula de intersecção e capela-mor também pouco profunda. 

                    Fig. 8 – Aspecto do altar da Igreja

Inclui retábulos dos séculos XVII e XVIII e azulejaria policromada do século XVIII.

                           
                  Fig. 9 – Pormenor do centro do altar


Tal como já referido, para além do Convento (casa mãe do Deserto), foram construídas também nele 11 Ermidas de habitação onde os frades viviam como eremitas, 23 Capelas de devoção que formam a única Via-Sacra do globo que é réplica da de Jerusalém e ainda 7 Fontes, das quais se destaca a Fonte Fria, com uma monumental escadaria entre árvores.


 Fig. 10 – Fonte Fria, com uma monumental escadaria entre árvores.


A estas edificações, juntam-se as três portas que delimitam o antigo Deserto Carmelita. De entre elas salienta-se pelas razões já referidas, as Portas de Coimbra.

 Fig.11– Portas de Coimbra , “vigiando a entrada do Deserto”


Entretanto, e antes de abandonar esta curta descrição do embrião do actual Palácio Hotel do Bussaco, aqui fica uma figura confirmando a minha recente visita ao Convento de Santa Cruz, em 30 de Julho de 2018.


     Fig.12 – Confirmação da minha visita ao Convento de Santa Cruz





Palácio Hotel do Bussaco


Basta olhar de fora para este magnífico Palácio, para concluir que ele é composto por três edifícios complementares. Cada um deles com características bastante distintas. Há o edifício do Palácio inicial, um primeiro acrescento (distinguível pela utilização de brasões na fachada) e o “Anexo” – construído nos anos 30 e que se prolonga até ao Convento de Santa Cruz do Bussaco.

 
Fig.13 – Aspecto global do Palácio Hotel do Bussaco e seus jardins

Ainda que já depois da extinção das Ordens Religiosas, D. Maria Pia tenha pretendido criar no espaço de antigo Deserto Carmelita do Bussaco, um Palácio Real que rivalizasse com o Palácio da Pena, em Sintra, ela acabou por não conseguir concretizar tal sonho.

O sonhado Palácio veio a ser construído a partir de 1885, com objectivo de concretizar os sonhos mais fantasiosos do rei visionário, D. Carlos I que, à semelhança dos ideais românticos dos seus primos alemães, conseguiu criar as condições indispensáveis à edificação do mais fantástico e genuíno Palácio dos Contos de Fadas, envolvido por uma Floresta Encantada”.

Para concretizar tal sonho houve que destruir as estruturas conventuais anexas ao Convento de Santa Cruz, à sua Igreja, ao corredor e aos pátios que hoje testemunham a existência do Convento, permitindo a sua inclusão num Bussaco Romântico, que permanece como um dos locais portugueses patrimonialmente mais ricos na sua diversidade compositiva.


Construído entre 1888 e 1907, o edifício inicial do Palácio constitui um claro exemplo da moda arquitectónica da época, conhecida por “Romantismo Castelar”, pretendendo ser uma ode nacionalista à Epopeia dos Descobrimentos Portugueses. Foi concebido segundo um sonho imaginário de uma romântica “Torre de Belém”, em puro estilo Português, rodeada de um imenso oceano verde, consubstanciado pela densa vegetação e altíssimas árvores da Mata do Bussaco, ex-Deserto dos Carmelitas Descalços.

Fig.14 – Edifício principal do Palácio Hotel do Bussaco


Para concretizar tal projecto, então designado por “Edifício Monumental”, foi selecionado o arquitecto italiano Luigi Manini, cenógrafo do Teatro S. Carlos em Lisboa e que também já havia sido cenógrafo no Teatro de Ópera de Milão. Este arquitecto havia sido trazido para Portugal pela mão da Rainha D. Maria Pia de Saboia, mulher do Rei D. Luís I e filha de Vitor Emanuel II de Itália.

Tal edifício contou posteriormente com expansões em diferentes fases, em que intervieram outros arquitectos famosos, nomeadamente, Nicola Bigaglia, responsável entre 1841 e 1908, pelo projecto da Casa dos Cedros, José Alexandre Soares e Manuel Joaquim Norte Junior, este último responsável, em 1905, pelo projecto da belíssima Casa dos Brasões deste Palácio.


Fig.15 – Casa dos Brasões

No Edifício Principal deste Palácio situa-se no andar de entrada, a Recepção, a Sala de Estar com a sua excepcional Varanda, a Sala de Jantar com a sua pequena extensão para os Jardins (floreira) e algumas pequenas dependências. O acesso ao andar superior é feito por uma magnífica escadaria decorada com bela azulejaria Portuguesa, encimada por uma outra sala de acesso aos mais belos quartos do Palácio.

De salientar, logo na frente do edifício uma das mais belas varandas exteriores, que encanta o visitante, qualquer que seja o ângulo ou a estação do ano em que é observada.

                             







 Fig.16 – Vistas da Varanda do andar térreo do Palácio
(Será que exagerei na qualificação desta Varanda?)

Passemos agora à Recepção do Palácio e à sua excepcional decoração escultórica e de mobiliário.



Fig.17 – Vistas desde a entrada no Palácio e da entrada propriamente dita





Fig.18 – Transição da Entrada para a Escadaria
  

A azulejaria do Palácio é da autoria de Jorge Colaço, quer nos dez painéis de inspiração Camoniana, quer nos painéis da Entrada e da Escadaria, sobre temas da Guerra Peninsular e da Batalha do Bussaco,


Fig.19 – Painéis de azulejo do primeiro e do segundo lance da Escadaria do Palácio


ou da Epopeia Marítima dos Portugueses, com três cenas complementares: a da Partida para a Índia, a da Conquita de Ceuta e a da Tomada de Goa. São aqui notórios os novos rumos da azulejaria Portuguesa da época, onde os azuis e brancos, pelas incursões da Arte-Nova, já misturavam cercaduras de belo efeito cromático.



Fig.20 –Saleta e quarto do 1º Piso


Fig. 21 – Outras zonas da parte superior do Palácio, onde se situavam 
os Aposentos Reais


Fig.22 – Outros aposentos ainda


De salientar também o mobiliário de madeira, muito dele de estilo Indo-Português, que se encontra em toda esta envolvência desde a Entrada à Saleta do topo da Escadaria.


Fig.23 – Dois pequenos exemplos do mobiliário de estilo Indo-Português, existente no Palácio



Desçamos agora a Escadaria, a caminho da interessante Sala de Estar.


Fig.24 – Descendo a Escadaria do Palácio a caminho da Sala de Estar



  
Fig.25 – Vistas da Sala de Estar desde a porta, olhando à esquerda e à direita, respectivamente. Na frente das janelas, situa-se a belíssima Varanda que se mostrou amplamente no início deste trabalho.


Fig. 26 – Vista da ligação da Sala de Estar, à Sala de Jantar


 Fig. 27 – Na parede da porta de entrada, bem na frente das grandes janelas que dão para a varanda, uma belíssima lareira aguarda o visitante


 

Fig. 28 – Pormenores decorativos da parte superior da lareira, à esquerda e à direita, respectivamente.


Foi então hora de passar à Sala de Jantar do Palácio, que é conhecida por Restaurante João Vaz, por estar decorada com afrescos de João Vaz, ilustrando passagens marítimas de Os Lusíadas. Localiza-se no que foi outrora local de majestosos banquetes reais (convém referir que D. Manuel II passou as suas últimas férias antes do exílio, precisamente no Palácio do Bussaco). Cenário outrora de glamorosos banquetes reais, é hoje um dos melhores e mais refinados restaurantes portugueses.


 
Fig. 29 – Vistas da Sala de Jantar, desde a entrada e do lado oposto (180º)


 

 Fig. 30 – Jantando sob o magnífico tecto da Sala, rodeados pelos afrescos 
de João Vaz




Fig.31 – Floreira da Sala de Jantar, que a liga esta aos Jardins, antes e durante o pequeno-almoço





 Fig.32 – Vistas exteriores da Floreira



 Fig.33 – Floreira vista de fora




Fig.34 – Fabulosos pormenores arquitectónicos do exterior das janelas da Floreira




Fig.35 – Passagem para a Casa dos Brasões


O edifício da Casa dos Brasões, foi desenhado em 1905 pelo arquitecto Manuel Joaquim Norte Júnior, para ser o "anexo real" do corpo principal do Palácio desenhado anos antes por Manini, mantendo o estilo neomanuelino do mesmo.


Porém, o jovem arquitecto imprimiu o seu cunho pessoal ao projecto, assumindo uma "concepção nitidamente beauxartiana na sua construção", na qual sobressaem elementos estruturais que mais tarde serão definidores da sua obra, como o grande meio arco de volta perfeita que integra uma janela coroando a fachada, 

Fig.36– Grande meio arco de volta perfeita que integra uma janela coroando a fachada

ou as janelas geminadas integradas num arco de volta perfeita. 

Fig.37 – Janelas geminadas integradas num arco de volta perfeita




Fig.38 – Naquele histórico Palácio de Contos de Fadas, até dá para sonhar o nosso regresso momentâneo a uma idade que há muito se foi.


Voltando à realidade, no dia seguinte pela manhã, logo após o pequeno-almoço, deu para sair da Casa dos Brasões e avistar a Casa dos Cedros, agora fora de serviço e preguiçar um pouco naqueles tão belos jardins.




 
Fig.39 – Passeio pelos tão bem cuidados Jardins do Palácio


Como não podia deixar de ser, houve então que pedir ajuda para libertar o fotógrafo de serviço e meu querido marido, para fazermos a primeira foto da praxe antes de partir, a de exteriores, pois estávamos celebrando o nosso 30º Aniversário de Casamento e teríamos que ficar enquadrados na imagem deste Palácio de Contos de Fadas.


Fig.40 –  Os Aniversariantes envolvidos pelo místico ambiente do Bussaco


Recordámos então que em Agosto de 1904, o Rei D. Carlos decidiu fazer um “raid” turístico ao Bussaco, que não visitava há 20 anos, permanecendo nele três dias e prometendo voltar pouco depois com a Rainha D. Amélia de Orleans e Bragança para inaugurar o Hotel. Cumprindo a sua palavra, nele organizou nesse Agosto festas, bailes e concertos, chegando mesmo a dar aos convidados o prazer de ouvir a sua bela voz de barítono.

Sabíamos também que o Bussaco (cujo nome parece ter derivado de “Boscum Sacrum”), também foi cenário dos amores do Jovem Rei D. Manuel II com a artista francesa Gaby Deslys, invulgarmente bela e talentosa, que havia conhecido em 1909 no Théatre des Capucines em Paris, tendo-se refugiado furtivamente no Palácio durante 6 semanas.


Depois preparámo-nos para o almoço e antes de entrar na Sala de Jantar, fomos despedir-nos da maravilhosa escadaria do Palácio.

Fig.41 – Despedida daquela bela escadaria, mas com um “até à vista”


Depois de almoço, com a requintada cozinha tradicional do Restaurante João Vaz, regado com um dos excelentes vinhos da sua Adega, houve que preparar a partida com cuidado. Claro que não podíamos partir, sem fazer uma foto junto do quadro de azulejos dedicado ao amor.
                            
Fig.42 – Quadro de azulejos dedicado ao amor

Fizémos ainda questão de fotografar uma figura alada que decora uma coluna nas proximidades da saída ou da entrada do Palácio, conforme o sentido do movimento. 


Fig.43 – Figura alada, esculpida na pedra d’Ançã, como as do resto do Palácio


O meu ante-penúltimo pensamento foi para relembrar que ali se realizou a Cerimónia Oficial da Monarquia Portuguesa, aquando da comemoração do Centenário da Batalha do Bussaco, em 27 de Setembro de 1910, tendo o jovem Rei partido para o exílio uma semana depois, com a eclosão da República.

O meu penúltimo pensamento foi para constatar que este belo Palácio de Contos de Fadas, envolvido numa Floresta Encantada, foi o último legado dos Reis de Portugal, que constitui um conjunto Arquitectónico, Botânico e Paisagístico único na Europa, sendo o seu Palácio Hotel categorizado como um dos mais belos e históricos hotéis do Mundo.

O meu último pensamento e voto, vai para os Políticos deste País, cuja falta de argúcia e interesse, tem permitido que, por negligências sucessivas e inadmissíveis, esta maravilha não tenha sido ainda nomeada pela UNESCO, PATRIMÓNIO MUNDIAL DA HUMANIDADE. Ao que parece o processo está, finalmente, em curso. Há então que agilizá-lo.

Para amenizar este final, aqui deixo uma imagem de Sonho, que acabo de encontrar na Internet e que foi captada neste Palácio há uns anos, durante uma das muitas festas de casamento nele realizadas. Na sua simplicidade e beleza, parece captar na íntegra a “Magia deste Palácio de Contos de Fadas, envolvido por uma Floresta Encantada”. 



FIM

Lisboa 06 de AGOSTOo de 2018
M. Elisabete M. Almeida